27.6.07

"Drink me, make me feel real" - Bachelorette - Björk

Vinda de não sei onde, não queria mais estar só. Sentia uma dormência no corpo, um não sentir eterno. E era como se não a vissem. Permanecia, mas detestava essa tal de empatia, que permite que saibam que você está, que é agradável, mas nada mais que isso, não causa paixão nem asco. Gostava de extremos. Ou é demais, ou é de menos, mas não fique no meio. Isso é insuportável, o meio. Ainda assim se pegava cometendo esta falha do “não trepa nem sai de cima” às vezes.

O que ela pensava nestes dias não tinha uma linearidade. Ela sabia que ela era, era triste porque não a viam como ela se via, como queriam que a vissem. Ela tinha orgulho e se retirava, ainda que se sentisse estúpida, que o coração sangrasse, que a lágrima descesse, jogava tudo para o fundo de qualquer lugar, engolia em seco e não se despetalava.

[Foto e texto: Amanda Nascimento]

6.6.07

Do trem I

Uma donzela miúda, moradora da casa de flores vermelhas, passava o dia na janela, tal qual as meninas de Cecília. Esperava o trem e, quando ele vinha chegando, abria-se toda em sorrisos de cor azul, porque assim era o céu e ela queria morar lá. Ao se aproximarem os chugs e os piuis, ela entoava canções para as nuvens escutarem e o trem não descarrilar. Achava tão divertido aquele vai-vem lento e as pessoas com grades no olhar.



Ela mesma nunca havia andado num trem, mas só de vê-lo pela janela, não podia agüentar: seu coração pulava da boca e, nos seus pensamentos, pelos trilhos ia viajar. Horas e horas ela poderia ficar ali. Mas sua mãe gritava “Menina, no céu não tem trem, venha já pra cá”. E, depois de uma lágrima, saía da janela e ia brincar.

E

assim

era,

todos

os

dias,

piui

Foto e texto: Amanda Nascimento

3.6.07

O presente


Meu amor me deu de presente a si. Acordou-me de manhã cedo, com café na cama. Colocou alguma droga na torrada e eu apaguei. Enquanto estava em sono profundo, embrulhou-me, nua, em fitas coloridas, cuidadosamente, e saiu para o trabalho. Fez coisas normais do dia-a-dia, foi a academia, depois a um bar com amigos e voltou para casa.

Eu ainda dormia, enquanto ele tomava banho. Quando voltou para o quarto, eu estava acordando, um pouco sonolenta, um pouco assustada. Ele sorriu e disse “Parabéns para mim, querida, hoje é o meu aniversário”. Desamarrou uma fita que cobria a minha boca, me beijou e depois amarrou de novo. “Você é meu presente”, ele disse e eu fui recobrando a consciência. Ele virou de costas pegou um candelabro e veio andando em minha direção. Eu fui ficando horrorizada, mas não conseguia me mover, nem falar. Ele deixou o candelabro em cima do criado mudo e foi desamarrando as fitas e beijando meu corpo inteiro.

Quando já estava sem fitas, ele se afastou. Eu continuava sem poder me mover, acho que algum efeito da droga que tinha tomado. Ele pegou um vidro de álcool embaixo da cama e jogou no meu corpo. Derrubou os candelabros em cima de mim e só então, pegando fogo, é que eu conseguir gritar e dar um pulo da cama, enquanto ele dava risadas. Cega de dor, sabendo que morreria, me joguei pela janela [morávamos no décimo andar].

Meu corpo caía junto com o vidro estilhaçado e ele cantava, às gargalhadas:

“Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida”.


Foto e texto [porque eu sou má]: Amanda Nascimento

30.5.07



Os carros de som da cidade rodavam sozinhos anunciando:




"Aquilo que nele não se enxergava é o próprio ele. A noite presa na escuridão. A partir da sombra, mata a vida, rouba a luz dos homens e a prende em uma cela cerebral. Assassino frio. Não há mais polícia, nem vingadores solitários. Sua opacidade tira a luz das pessoas e as leva para habitar sua mente doentia. Para ele, que matou sua mãe no parto, ao nascer; que matou seu pai, apenas com sua presença, não importa se é dia ou noite, em todo horário há sombra.




Homos sapiens, sapiens, sapiens, sabei-vos que deveis ter cuidado. "




Mas já não havia muita gente para escutar. E ainda que houvesse, não adiantaria muito. Os poucos se protegiam como podiam, mas sabiam que o fim estava perto.




Enquanto isso, com rosto de nada, ele




Pega um cigarro, acende. Vai até a janela, dá uns tapas na cabeça - “Calem a boca, imbecis” -, grita para os humanos que clamavam liberdade para a fresta de luz gradeada, a única ilusão de que um dia poderiam sair dali.

Texto e imagem [foto+desenho photoshop]: Amanda Nascimento

19.5.07


Alôôôôô, superfantásticoamigoquebomestarcontigononossobalão! Direto do espaço, falo, de dentro do canudo de uma bolha de sabão. E hoje vou contar para vocês, que me ouvem, uma história sen sa cio nal! Durante a próxima meia-hora-ano-luz vocês vão se emocionar, rir e chorar com estas aventuras da vida. Mas, antes de tudo, como vão? Ótimos?! Porque eu sim, maravilhoso como nunca, fantástico como sempre, tudo reluzente! Hai!

Agora, todos quietos, comendo seu lanche Plokus, a história vai começar.

“Foi uma vez...”

[trim, trim]

Oh! Um espaçouvinte, alôôôô?

[voz aguda estranha] Alô, ai, q emoção falar com você, sou sua fã, aaaaaaa!!

Obrigado, obrigado, você é muito gentil espaçomoça. Qual o seu nome?

[voz aguda estranha] AAAAA, eu não consigo falar, beijo, me liga, tchau!

É, sou assim mesmo, fãs pipocam como o milho! Mas vamos continuar.

“Foi uma vez, um aventureiro espacial que caçava monstros das estrelas! E ele era muito corajoso, tinha que escalar a não-gravidade, driblar asteróides, driblar estrelas cadentes e...”

[trim trim]

Oh! Mais um espaçouvinte, alôôôô?

[voz grave estranha] A ... A ... Alô?

Alôôôô!

[voz grave estranha] Ligo só para dizer que te acho incrível, ouço sempre suas histórias.

Obrigado amigo! Qual seu nome?

[tu tu tu tu]

As pessoas têm vergonha de falar comigo, mas eu adoro! Como é bom ser amado! Continuando!

“driblar estrelas cadentes e salvar lindas donzelas que caíam aos seus pés! Um dia...”

[trim trim]

Oh! Cada vez mais um espaçouvintes, alôôôô?
[voz digital estranha] Alô, eu gosto de vc, beijo, tchau. Biiippp

Mas que bom, até as máquinas escutam meu programa! Todo o universo sabe quem eu sou! Como ia dizendo

“Um dia, a donzela que ele mais amava foi seqüestrada pela malévola Ursa Maior, a pior das vilãs, mas ele enfrentou todos os perigos para salvar sua amada aprisionada”.

[trim trim]

Alôôôô!

[voz estranha] ...

Me ama!

“jardins de fogo, poeira estelar venenosa, todos os perigos ele passou”

[trim trim]

Alôôôô!

[voz estranha] ...

Me ama!

“até que chegou o dia que ficou cara a com a Ursa Maior e enfrentou suas várias pontas ácidas”

[trim trim]

Alôôôô!

[voz estranha] ...

Me ama!

“e ele, que destreza! Escapou de todos os ataques ácidos, cortou todas as pontas, enfiou sua espada lunar na cabeça da Ursa Maior e libertou a donzela do centro do cons-telo e ele ficou feliz e se encheu de luz, havia alguém vivendo em sua vida. Eles eram felizes para sempre”.

Gostaram da história, pluctplactzumigos? Sabia que sim, é emoção que atravessa galáxias! Eu já vivi uma história semelhante, mas isso é para outro dia! Agora eu vou comer meu cereal coloriláctico e vocês sonhem com a aventura de amanhã! Uau uau, xau xau!

O “No Ar” do estúdio se apaga, o apresentador - meia-idade, baixinho, óculos fundo de garrafa - desce de sua cadeira-pedestal, põe sua mochilinha forrada de estrelas coloridas bordadas, e sai andando cabisbaixo pelos corredores vazios, abre e fecha a porta do estúdio, caminha lentamente pela calçada molhada da chuva e senta numa portinha de pastel, para tomar um refrigerante. Olha para os canudos, enquanto dá goladas no refrigerante e viaja.

Suspira.

A verdade é que eu inventei tudo isto e é tão só estar aqui.

Foto e texto: Amanda Nascimento



13.5.07


Carlos Joaquim, seu nome. Um homem com dois quartos de vida completos [se considerarmos a vida como infância, adolescência, idade adulta e velhice]. Ou seja, estava nesta infâme fase adulta, na qual não se sabe se já é velho ou se está novo demais ainda. Levava uma vida normal, seja lá o que isso queira dizer. Na verdade, algumas coisas da vida dele poderiam ser consideradas normais, dentro da incógnita que é este conceito.


A questão é que em meio ao x e y de que é feito um mundo, ele tinha nascido com um pequeno problema. Algo que... não, não chega a ser monstruoso, nem provoca pena... é, como falar sem ofender? Bom, era um olho. Ele nasceu com o olho na parte superior de sua mão esquerda. Pronto, está dito. E isto não o impede de trabalhar, nem de se relacionar com as pessoas - esta frase deveria ter sido escrita no futuro do pretérito, porque realmente causa um certo incômodo e não é todo mundo que gosta de se aproximar dele. Então... "isto não o impediria de trabalhar, nem de se relacionar com as pessoas". Porque ter um olho na parte superior da mão esquerda não é como ser canhoto, ou não ter um braço, ou ser um Quasímodo. É TER UM OLHO NA PARTE SUPERIOR DA MÃO ESQUERDA. Aquela criatura viva, piscando, vendo além dos dois olhos localizados no rosto.


Carlos Joaquim, vira e mexe, se pega vendo coisas que não queria, ou que não deveria. Se vai cumprimentar alguém, a pessoa, desavisada, assusta-se, faz uma cara de repugnação, sai gritando, louca, correndo. Comumente é surpreendido pela frase: "sua mão está suando", mas não! É o seu olho que chora. Assim, sem motivo, sem por que, pois aquele olho é realmente um outro ser vivo em seu corpo, tem vontade própria.


No início, quando bebê, os pais de Carlos viram vários médicos, tentaram cirurgias, mas nada tinha jeito. Não sou médica, mas parece-me que o olho estava ligado de alguma maneira a uma veia muito importante e a retirada acarretaria em uma hemorragia que mataria o rapaz. Triste, triste. Mas, tudo era graça na época. Joaquinzinho se divertia no berço, com seus brinquedos e seu olhinho. Seu amigo imaginário não tão imaginário assim. Quando chegou a época de freqüentar a escola é que começaram a surgir os problemas maiores. Os colegas colocaram apelidos [ciclope maneta, luneta de submarino, espada justiceira, olho de thundera], faziam ameaças ["vou pendurar você na porta da minha casa e te usar como olho mágico!!"], não queriam fazer trabalho com ele, nem brincar, nem nada. Os pais dos colegas também tinham repulsa e aconselhavam os filhos a se afastar. A mão esquerda de Carlos Joaquim suava muito nesta época e ele pediu aos pais para tirá-lo da escola, porque ele aprenderia sozinho. E os pais o entenderam e atenderam o pedido.


O tempo, esta desgraça, felizmente passa. E Carlos Joaquim, inteligente, foi crescendo e aprendendo tudo. As pessoas ainda se afastavam dele, mas havia outras, cabeças abertas, que não. Foi uma dessas cabeças abertas que aceitou ser sua primeira e única namorada. Fazia Ciências Sociais, uma dessas hippies chapadas que não se deu conta que os anos 60 acabaram e que a revolução não vai acontecer agora. Ela gostava de chamar Carlos de "meu guruzinho, o olho que tudo vê" e achava que ele era a personificação da grande mudança para o mundo, que ele tinha vindo trazer o futuro, a era de aquário ["when the moon is in the seventh house, and Jupiter aligns with Mars, then peace will guide the planets, and love will steer the stars, this is the dawning of the Age of Aquarius, the Age of Aquarius, Aquarius, Aquarius"], que era um vidente. Mas, por mais que se esforçasse, Joaquim nunca conseguiu ver com seu olho manual nada mais além do que estava na frente dele. E a visão que ele mais gostava, durante o namoro, era entre as saias longas da sua namorada "não, amorzinho, meu olho está fechado, juro que não estou vendo nada". Ele a amava e era divertido e excitante enganá-la assim. Mas um dia ela percebeu o que ele fazia, deu um escândalo dizendo que ele se aproveitava dela, que não se podia confiar em mais ninguém no mundo, que não queria olhar mais nos olhos dele [nenhum dos três]. Deixou de ser hippie e virou uma fervorosa feminista [não largou a revolução].


O fim do namoro foi no fim da adolescência de Carlos Joaquim. E o quase começo dessa história aqui. Para ela começar, basta dizer que um ano se passou, ele não arranjou mais ninguém, os amigos que tinha antes da namorada permaneceram, os que arrumou por causa dela foram embora. O trabalho que ele tinha, na biblioteca do curso de Ciências Sociais da namorada, ele conseguiu continuar durante três meses após o namoro, mas ela era muito influente lá dentro e conseguiu fazer com que ele saísse. Então, os últimos nove meses sem trabalho tinham sido em casa. Belo começo de vida adulta.


Carlos Joaquim, seu nome. Um homem com dois quartos de vida completos [se considerarmos a vida como infância, adolescência, idade adulta e velhice]. Ou seja, estava nesta infâme fase adulta, na qual não se sabe se já é velho ou se está novo demais ainda. Levava uma vida normal, seja lá o que isso queira dizer. Na verdade, algumas coisas da vida dele poderiam ser consideradas normais, dentro da incógnita que é este conceito.


Foto e texto: Amanda Nascimento


4.5.07


É um sentir triste. Daqueles que sufoca e leva as lágrimas. É um sentir medroso também. Medo por saber que é arriscado. Medo pelo que vão pensar. Pelo que vai pensar. Ando me apegando a muita gente. Me apego, mas chegou em casa, me sinto só e vazia... fico macambusea, sorumbática.
Não acendam luzes normais, não quero que vejam meu rosto marcado. Luz vermelha, por favor. Embora ainda dramático, sob ela tudo fica mais bonito.

2.5.07

O tempo, sempre ele*



E o tempo, este amigo traiçoeiro, é o melhor para tudo. Em toda receita médica, os hieróglifos escritos pelos doutores não deveriam ser transcritos, em nossa língua, para dipirona, paracetamol, vitamina c, diclofenaco... entre outros palavrões. Todos eles deveriam siginificar tempo, a cura de todas as coisas. E ele foi usado. E é chegada a hora de voltar, é? Um dia quem sabe ele me permita voltar e fazer algumas coisas que hoje julgo que deveriam ter sido feitas. Mas por enquanto volto aqui mesmo, no presente, esperando me fazer futuro.

Tictactictac...

*Texto teste para a nova edição do meu blog.

Foto por Amanda Nascimento

10.4.07

Uma respiração

Porque eu queria que a minha vida aportasse em algum lugar.

**escutando anos 80**

30.3.07

nada

sem vontade de atualizar nada, mas...

cidade à noite em dia de chuva é tão bonita

asfalto molhado + luz dos carros = lindo

7.3.07

construção civil

saía de casa sempre apressada.
andava com um tanto de concreto armado,
cravado nas mãos.
isto muito impedia
o lance de dados dos versos.
permaneciam desertos.

3.3.07

.shortbus.

shortbus
shortlife
shortlove
shortpleasure
shorthappiness
shortsadness
shortdeath
shortshort

.orgasmic.

14.2.07

carnaval boa noite

confetes
serpentinas
enrolando a colombina
o pierrot, que rapaz!
ajuda o vovô
com a pipa que
não sobe mais.

Ando sem muitas idéias para colocar aqui.
Acabei de transferir para a nova conta google.
Vou dormir sonhando com o Vilarejo de Marisa Monte.

Boa noite.

31.1.07

Caminhada do perdão

jogando fora pregos
parafusos,
cordas,
barras de ferro,
algemas,
campos de força,
camisas também,
cintos de segurança
e mais uma infinidade de coisas que seguram...

ouvi por aí que me prendo demais às coisas, sabe?

28.1.07

antes ou depois da morte?

o meu céu não é de anjos
sonhos ou suposiçãoo
meu céu é de carne
imediato, realização

o meu céu não é azul
não tem nuvens de algodão
o meu céu é vermelho
tem saliva e tesão

[amanda nascimento]

23.1.07

janeiro2007

as folhas de calendário
são guardiãs de um tempo que não passa
contemplar isso tudo
é ser o lugar do templo do nada

6.1.07

Vida de ampulheta

.
.
.
.
.
..
...
......
Os olhos apontavam para cima
os pezinhos para baixo
sumindo, sumindo
levando o corpo junto
virando tempo que passou
já não é nada.
Coloca do lado contrário
e começa outra vez!
E lá vamos...

1.1.07

2007

Hoje é o primeiro dia em direção ao fim do ano.
Daqui já vejo sua distância.
Que beijos, abraços, sorrisos e sonhos façam disto algo menos doloroso.
Até mais, 2007.

Antigos

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Aspirante a jornalista e fotógrafa... faz uns versinhos por aí.