27.8.06

Conticnho

tic, tic

seu dedo batia contra o vidro. Junto à janela, madrugada, não conseguia dormir. Havia decidido passar a noite assim, como uma louca, tic, tic. Seu relógio da parede não tinha pilha, seu despertador em forma de animal estava quebrado, seus relógios de pulso e sua lua estavam distantes e faziam barulho baixinho demais para os ouvidos. Então tic, tic, seu dedo na janela, tic, tic, o sono vai chegar.
Mas não. A escuridão tardava a cessar e seus olhos eram duas labaredas atentas aos contornos daquele mundo sem luz que, de quando em quando se fechavam para dedicar seus sentidos exclusivamente aquele movimento contínuo, tic, tic. Vício. De repente se imaginou em uma reunião de loucos anônimos viciados em bater em vidros de janelas, fazendo confissões e contando há quanto tempo não fazia mais isso, “um dia de cada vez”. tic, tic.
Imaginara também os jornais noticiando a morte de pessoas por overdose de tic, tic. “O excelentíssimo doutor Fulano de Tal, que deu entrada ontem à tarde no Hospital São Sei Lá do Quê com um quadro grave de overdose tictídica, veio a falecer agora à noite. Fulano de Tal bateu tantas vezes e com tal força contra o vidro de sua janela que provocou uma hemorragia interna... tarará-tarará”. Riu, abafado, porém enlouquecidamente.
A aurora fez que ia surgir, mas o negro tapete de estrelas ainda não queria ser suspenso, tic, tic, tic, tic, tic. O ritmo daquela compulsão havia aumentado, junto com o ranger de dentes e uma principiante falta de ar. Sentia o ar gelado das primeiras horas entrando pelos pulmões, mas não tanto quanto deveria. Mas não sentia isto. Aquela sua nova mania tinha um quê de indescritivelmente prazerosa que não permitia que ela notasse e se preocupasse com certas alterações em seu metabolismo, tic, tic, tic, tic. “Eu sou louca?”, pensava, “eu sou louca? eu sou louca?” tic, tic. Uma ansiedade sem motivo havia tomado conta dela e seu coração acelerava. Ela puxava mais o ar gélido que não vinha. Olhos acesos, abertos como de espanto, boca seca, tic, tic, sono que não chega, escuridão que não se vai, tic, tic, vidro, bater contra o vidro, vidro, tic, tic.

Tum- tum, tum- tum, tum-tum, tum-tum, tum-tum, tuuuuuuuu... tic, tic parou.

Amanheceu.

“tantantantantantantantantan... Atenção para última notícia: a escritora Dominique Barroso foi encontrada morta em seu apartamento. A ingestão de uma grande quantidade de remédios anti-depressivos causou-lhe parada cardíaca... tururu-tururu... E agora, futebol! O Santos vence por 2 x 1...”.

Amanda Nascimento

[faz um tempo já que escrevi, não lembro quando, mas tá valendo ;)]

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Aspirante a jornalista e fotógrafa... faz uns versinhos por aí.