6.6.07

Do trem I

Uma donzela miúda, moradora da casa de flores vermelhas, passava o dia na janela, tal qual as meninas de Cecília. Esperava o trem e, quando ele vinha chegando, abria-se toda em sorrisos de cor azul, porque assim era o céu e ela queria morar lá. Ao se aproximarem os chugs e os piuis, ela entoava canções para as nuvens escutarem e o trem não descarrilar. Achava tão divertido aquele vai-vem lento e as pessoas com grades no olhar.



Ela mesma nunca havia andado num trem, mas só de vê-lo pela janela, não podia agüentar: seu coração pulava da boca e, nos seus pensamentos, pelos trilhos ia viajar. Horas e horas ela poderia ficar ali. Mas sua mãe gritava “Menina, no céu não tem trem, venha já pra cá”. E, depois de uma lágrima, saía da janela e ia brincar.

E

assim

era,

todos

os

dias,

piui

Foto e texto: Amanda Nascimento

3.6.07

O presente


Meu amor me deu de presente a si. Acordou-me de manhã cedo, com café na cama. Colocou alguma droga na torrada e eu apaguei. Enquanto estava em sono profundo, embrulhou-me, nua, em fitas coloridas, cuidadosamente, e saiu para o trabalho. Fez coisas normais do dia-a-dia, foi a academia, depois a um bar com amigos e voltou para casa.

Eu ainda dormia, enquanto ele tomava banho. Quando voltou para o quarto, eu estava acordando, um pouco sonolenta, um pouco assustada. Ele sorriu e disse “Parabéns para mim, querida, hoje é o meu aniversário”. Desamarrou uma fita que cobria a minha boca, me beijou e depois amarrou de novo. “Você é meu presente”, ele disse e eu fui recobrando a consciência. Ele virou de costas pegou um candelabro e veio andando em minha direção. Eu fui ficando horrorizada, mas não conseguia me mover, nem falar. Ele deixou o candelabro em cima do criado mudo e foi desamarrando as fitas e beijando meu corpo inteiro.

Quando já estava sem fitas, ele se afastou. Eu continuava sem poder me mover, acho que algum efeito da droga que tinha tomado. Ele pegou um vidro de álcool embaixo da cama e jogou no meu corpo. Derrubou os candelabros em cima de mim e só então, pegando fogo, é que eu conseguir gritar e dar um pulo da cama, enquanto ele dava risadas. Cega de dor, sabendo que morreria, me joguei pela janela [morávamos no décimo andar].

Meu corpo caía junto com o vidro estilhaçado e ele cantava, às gargalhadas:

“Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida”.


Foto e texto [porque eu sou má]: Amanda Nascimento

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Aspirante a jornalista e fotógrafa... faz uns versinhos por aí.