13.5.07


Carlos Joaquim, seu nome. Um homem com dois quartos de vida completos [se considerarmos a vida como infância, adolescência, idade adulta e velhice]. Ou seja, estava nesta infâme fase adulta, na qual não se sabe se já é velho ou se está novo demais ainda. Levava uma vida normal, seja lá o que isso queira dizer. Na verdade, algumas coisas da vida dele poderiam ser consideradas normais, dentro da incógnita que é este conceito.


A questão é que em meio ao x e y de que é feito um mundo, ele tinha nascido com um pequeno problema. Algo que... não, não chega a ser monstruoso, nem provoca pena... é, como falar sem ofender? Bom, era um olho. Ele nasceu com o olho na parte superior de sua mão esquerda. Pronto, está dito. E isto não o impede de trabalhar, nem de se relacionar com as pessoas - esta frase deveria ter sido escrita no futuro do pretérito, porque realmente causa um certo incômodo e não é todo mundo que gosta de se aproximar dele. Então... "isto não o impediria de trabalhar, nem de se relacionar com as pessoas". Porque ter um olho na parte superior da mão esquerda não é como ser canhoto, ou não ter um braço, ou ser um Quasímodo. É TER UM OLHO NA PARTE SUPERIOR DA MÃO ESQUERDA. Aquela criatura viva, piscando, vendo além dos dois olhos localizados no rosto.


Carlos Joaquim, vira e mexe, se pega vendo coisas que não queria, ou que não deveria. Se vai cumprimentar alguém, a pessoa, desavisada, assusta-se, faz uma cara de repugnação, sai gritando, louca, correndo. Comumente é surpreendido pela frase: "sua mão está suando", mas não! É o seu olho que chora. Assim, sem motivo, sem por que, pois aquele olho é realmente um outro ser vivo em seu corpo, tem vontade própria.


No início, quando bebê, os pais de Carlos viram vários médicos, tentaram cirurgias, mas nada tinha jeito. Não sou médica, mas parece-me que o olho estava ligado de alguma maneira a uma veia muito importante e a retirada acarretaria em uma hemorragia que mataria o rapaz. Triste, triste. Mas, tudo era graça na época. Joaquinzinho se divertia no berço, com seus brinquedos e seu olhinho. Seu amigo imaginário não tão imaginário assim. Quando chegou a época de freqüentar a escola é que começaram a surgir os problemas maiores. Os colegas colocaram apelidos [ciclope maneta, luneta de submarino, espada justiceira, olho de thundera], faziam ameaças ["vou pendurar você na porta da minha casa e te usar como olho mágico!!"], não queriam fazer trabalho com ele, nem brincar, nem nada. Os pais dos colegas também tinham repulsa e aconselhavam os filhos a se afastar. A mão esquerda de Carlos Joaquim suava muito nesta época e ele pediu aos pais para tirá-lo da escola, porque ele aprenderia sozinho. E os pais o entenderam e atenderam o pedido.


O tempo, esta desgraça, felizmente passa. E Carlos Joaquim, inteligente, foi crescendo e aprendendo tudo. As pessoas ainda se afastavam dele, mas havia outras, cabeças abertas, que não. Foi uma dessas cabeças abertas que aceitou ser sua primeira e única namorada. Fazia Ciências Sociais, uma dessas hippies chapadas que não se deu conta que os anos 60 acabaram e que a revolução não vai acontecer agora. Ela gostava de chamar Carlos de "meu guruzinho, o olho que tudo vê" e achava que ele era a personificação da grande mudança para o mundo, que ele tinha vindo trazer o futuro, a era de aquário ["when the moon is in the seventh house, and Jupiter aligns with Mars, then peace will guide the planets, and love will steer the stars, this is the dawning of the Age of Aquarius, the Age of Aquarius, Aquarius, Aquarius"], que era um vidente. Mas, por mais que se esforçasse, Joaquim nunca conseguiu ver com seu olho manual nada mais além do que estava na frente dele. E a visão que ele mais gostava, durante o namoro, era entre as saias longas da sua namorada "não, amorzinho, meu olho está fechado, juro que não estou vendo nada". Ele a amava e era divertido e excitante enganá-la assim. Mas um dia ela percebeu o que ele fazia, deu um escândalo dizendo que ele se aproveitava dela, que não se podia confiar em mais ninguém no mundo, que não queria olhar mais nos olhos dele [nenhum dos três]. Deixou de ser hippie e virou uma fervorosa feminista [não largou a revolução].


O fim do namoro foi no fim da adolescência de Carlos Joaquim. E o quase começo dessa história aqui. Para ela começar, basta dizer que um ano se passou, ele não arranjou mais ninguém, os amigos que tinha antes da namorada permaneceram, os que arrumou por causa dela foram embora. O trabalho que ele tinha, na biblioteca do curso de Ciências Sociais da namorada, ele conseguiu continuar durante três meses após o namoro, mas ela era muito influente lá dentro e conseguiu fazer com que ele saísse. Então, os últimos nove meses sem trabalho tinham sido em casa. Belo começo de vida adulta.


Carlos Joaquim, seu nome. Um homem com dois quartos de vida completos [se considerarmos a vida como infância, adolescência, idade adulta e velhice]. Ou seja, estava nesta infâme fase adulta, na qual não se sabe se já é velho ou se está novo demais ainda. Levava uma vida normal, seja lá o que isso queira dizer. Na verdade, algumas coisas da vida dele poderiam ser consideradas normais, dentro da incógnita que é este conceito.


Foto e texto: Amanda Nascimento


5 comments:

Larissa Lisboa said...

Esse link enxergaram tem todo um outro sentido agora, é o olho manual de Carlos Joaquim...
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Parece uma novela, kkkkkkkkkkkkkk
Adorei o olho manual, e CArlos Joaquim que nome hein?
vi um pouco de amanda, quer dizer da sua vida nesse texto, mesmo ele sendo mto louco, kkkkkkkkkkkkk

Adorei ver o seu blog com esse texto gigantesco, acho q foi o maior na sua história com esse blog, não?!Bjos

Anonymous said...

Que bom ver tantas palavras aqui! E o seu cantinho tá cada vez mais bonito, hein? =)
Obrigada por suas palavras, Amandita, me deixaram emocionada. Beijo grande pra vc também =*

carol

Juliana Marchioretto said...

menina, seu blogue tá a coisa mais lindaa!!!
e esse texto... ai, quero continuação!!


bjoca

drico said...

Ser normal é se ser?



Que palavras lindas você me dirigiu. E palavras lindas são as mais lindas descoisas.

poeta sórdido said...

.tapa-olho

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Aspirante a jornalista e fotógrafa... faz uns versinhos por aí.