14.10.06

Entre uma página e um tango

O último tango, no fim da última tarde do mês de agosto. Ela o chamou para dançar e ele aceitou. Ela com a certeza de que deveria, ele com a dúvida, mas com passo firme. A música tocava em uma altura que só chegava aos seus ouvidos e apenas os observava um senhor simpático de óculos, que cantarolava canções de boemia todo o tempo, ainda que em seu gramofone estivesse tocando o mais moderno jazz.
Os dois sorriam atrapalhados, de um modo que não combinava com a dança. Não importava, combinava com seus corações. Um tropeço, uma queda, um eterno desengonçar. Mas era intenção, era brilho, era vida. O derradeiro ato, o terminar. Não haveria mais o antigo baile, nem este novo, esta nova sintonia entre os corpos num laço musical.
E toda esta cena não acontecia em Paris, nem em uma casa de tango Argentina, nem em algum grande salão clássico, grande, decorado ou em um palco teatral. Acontecia em um sebo [alfarrábio]. Entre os livros, didáticos, clássicos, verso, prosa, recentes, velhos e muito velhos, nas paredes, no chão, no teto em todo lugar. Espremiam-se belamente num corredor, entre eles. Os olhares aqueles que brincavam, as bocas aquelas que sorriam, os ouvidos aqueles que captavam os sussurros que a alma escondia. A imaginação aquela que se perdia.
Sob os cuidados das lentes enrugadas do senhor cantante, que sorria, eles podiam esperar até a noite, que já se estendia, trazendo consigo o vento frio do adeus.

Amanda Nascimento – 31 de agosto de 2006

Baseado em um dia muito legal com Ramiro, Carol e Larissa ;)

3 comments:

poeta sórdido said...

tango sempre vai me lembrar manteiga, culpa do marlon brando. sempre apreciável esse esp´´irito boêmico q transpira de suas páginas não-palpáveis. I love it. bom tango, bom jazz. bom vinho, boa companhia, bom lugar. bom estar. bom ser.

Larissa Lisboa said...

Eu fiquei estupefata, pq desde o primeiro momento eu achei q era sobre aquele dia, mas por ter elementos muito criativos, eu duvidei.

Fico sensacional, mais uma superação de Amanda Hebert Richards. kkkkkkkkkkkkkkkkk
Bjos

Aya! said...

Bom texto.
:)

E o comentário abaixo de que tango lembra manteiga...é verdade.
A mim também agora...prefiria quanto tango me lembrava um perfume intenso e suave...

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Aspirante a jornalista e fotógrafa... faz uns versinhos por aí.